domingo, 3 de outubro de 2010

Bonomia e Falsidade

Existe uma discussão interessante que eu já anteriormente tinha feito comigo próprio, acerca do momento preciso em que os U2 deixaram de ser uma banda. As opiniões variam conforme as pessoas. Com os puristas é após o The Unforgettable Fire (1984) e antes do "sonho americano" Rattle and Hum (1988). Este último, não me envergonho de dizer, foi a primeira coisa que ouvi deles com atenção, e ainda hoje acredito ser o melhor tipo de iniciação, a um tempo longínquo em que estes senhores ainda faziam música.
Criticamente, e sem qualquer tipo de blasfémia, é geralmente aceite a divisão na Santíssima Trindade dos álbuns. Uma primeira fase "irlandesa" (Boy, October e War) produzida pelo inglês
Steve Lillywhite. Uma segunda fase "americana" (TUF, Joshua Tree e Rattle and Hum) produzida por Daniel Lanois e Brian Eno, com uma forte componente imagética de Anton Corbijn, e por fim, uma fase europeia (Achtung Baby, Zooropa e Pop) com uma maior predominância do som do Flood (Mark Ellis) e na qual o infame single "Discothèque" do Pop traçou a linha que já se andava a tentar ultrapassar desde o Achtung, com meta-personagens como a Bono-mica versão do Mefisto, assumida que estava a venda da alma ao Diabo.

Da recente fase (Leave Behind, Atomic Bomb e Horizon) não vou perder muito tempo a escrever, pois é relativamente consensual de que já não estamos
sequer a falar de uma banda, mas de outra coisa qualquer, que serve para enganar as pessoas e que obedece a outro tipo de processos mentais. Bastando seguir o exemplo de "Elevation" (2001) para "Elevation II, a.k.a Vertigo" (2004) e por aí fora.
Mas esquecendo toda esta bonomia, uma vez que, no fundo, o que é um frontman senão uma versão mais elaborada de um pregador religioso, e uma banda senão uma igreja de fiéis, pronta a receber cada vez dinheiro. A discussão que mais me interessa tem a ver com os limites da própria produção artística.
Existe que defenda, e não sem uma certa razão, que esta tropa-fandanga traiu a sua própria criação musical ao abandonar o tema "Sunday Bloody Sunday" entre 1988 e 2001 (a altura do seu desaparecimento enquanto banda) devido ao facto de não conseguirem rivalizar com performances anteriores, devido à componente entretenimento e consequente
perda de significado da letra, bem como da perda do seu aspecto de canção de protesto.

Apesar de eu concordar que o artista só se deve respeitar a si próprio, no que diz respeito à criação artística, toda a música acaba por ser de intervenção, pois uma canção tem um cariz mágico e a música que serve simplesmente para entreter, não deveria sequer ser digna desse nome. S
e insistissem na primeira componente, provavelmente não se encontrariam neste patamar de notoriedade e estariam a fazer companhia a... sei lá, aos Echo & the Bunnymen.
O grande problema de quem não conhece a obra dos U2, ou de quem conhece superficialmente, mas que se arvora em grande defensor da ética musical, é o facto de "Sunday Bloody Sunday" não ser uma "rebel song" ou sequer herdeira da tradicional música de rebelião irlandesa, nem que todos os fogos do Beltane ardessem juntos.
Apesar de fazer referência a acontecimentos de carácter politico-militar, o tema apenas sugere uma resolução da disputa sem violência e sem tomar partido. Algo talvez insípido, mas que Sinéad O'Connor contestou em
"This Is a Rebel Song" (1997).
Em resumo, o politicamente correcto é sempre amigo do sucesso empresarial.

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