sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Discurso Acerca da Perfeição, segundo Kubo

A palavra "perfeição" provém do latim perficio ("acabar", "dar um fim") e define algo completo ou isento de falhas. A sua natureza paradoxal tem intrigado os filósofos desde sempre, devido ao facto de lidar com vários problemas ontológicos, desde logo pela possibilidade de existir um propósito na criação da realidade. Sob o ponto de vista psicológico, o perfeccionismo leva a que um indivíduo tente por vezes atingir um patamar demasiado alto, que pode levar à depressão caso não seja atingido.
Apesar de ser uma série de acção, o manga Bleach do autor japonês Tite Kubo aborda o conceito de perfeição. Teorizado, como se de uma palestra se tratasse, por Mayuri Kurotsuchi, a personagem que encarna o arquétipo do cientista-louco.
No universo de Bleach existem vários planos de existência e Mayuri é um shinigami, que na cultura japonesa personifica a morte. Neste caso trata-se de um ser espiritual que actua como guardião das almas que se encontram no ciclo de transmigração.

O seu interlocutor e antagonista neste combate feito diálogo filosófico é Szayelaporro, uma alma narcisista e egomaníaca, corrompida pela insanidade resultante do prazer que obtém em torturar as suas vítimas; Sade explicaria melhor esta característica; e que rivaliza em sadismo, crueldade e conhecimento científico com Mayuri.
O trunfo final de Szayelaporro é uma técnica denominada Gabriel, o nome do anjo que anunciou a concepção a Maria, e que lhe permite renascer após o seu próprio corpo espiritual ter sido destruído, utilizando as células de um hospedeiro, para criar um novo corpo para si próprio. Esta habilidade, semelhante ao renascer de uma fénix e que se inspira na imagética da Ressurreição pascal, faz com que Szayelaporro proclame arrogantemente que é o ser perfeito (完璧な生命, kanpeki na seimei) devido ao facto de se ter tornado imperecível. Apesar da habilidade ser elogiada por Mayuri, esta não é suficiente para que Szayelaporro ganhe o duelo.

No rescaldo da batalha, Mayuri dedica-se a explicar ao seu agonizante inimigo que não existe algo que seja perfeito neste mundo, o que, parecendo um lugar comum, não deixa de ser a realidade. Tal não impede o homem comum de admirar a perfeição e de procurar atingi-la como se esta fosse algo de tangível.
Indagando sobre o propósito da perfeição, Mayuri afirma veementemente que este não existe, reiterando que a detesta. Explicando que algo que é perfeito não deixa nada para explorar, espaço à imaginação ou qualquer ganho de conhecimento.
A perfeição só traz desespero aos homens de ciência, cujo objectivo é o de criar sempre algo mais sublime do que aquilo que foi criado anteriormente, embora nunca atingindo o estado perfeito e devendo estes encontrar prazer nessa contradição.
Mayuri conclui afirmando que Szayelaporro foi derrotado no momento em que proferiu o disparate acerca da perfeição. A vitória atribuída a quem teve o intelecto superior.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Um Abril que soa a marcha fúnebre

Trinta e nove anos de oligarquia com sabor a participação eleitoral, numa sociedade governada por bancários e magnatas, que pende à esquerda mas que elegeu um presidente, um governo e uma maioria de direita. Uma direita revanchista que esperou pacientemente uma oportunidade de se vingar e de acertar contas com Abril, uma vez que domina a forma como os portugueses pensam devido a um criterioso esquema de lavagem cerebral. A discussão política, segundo a opinião das gerações mais velhas, foi uma moda dos anos setenta. Actualmente só a bola se discute com a mesma intensidade porque o homem-público criou um fosso entre ele e a ralé, para evitar a discussão e permitir que toda a análise política seja essencialmente demagógica.

Este marasmo desenvolve-se numa sociedade infantilizada e acrítica, porque quem está no topo não quer cidadãos que pensem. Porque se pensarem, chegam facilmente à conclusão que poderiam perfeitamente não estar sujeitos à miséria de vida que têm. Essa consciência levaria a que cidadãos com C grande se revoltassem, e ninguém quer que a Revolução se faça, porque isso vai contra os "interesses" dos nababos que se encontram acomodados no alto do seu pedestal. Só numa sociedade infantilizada e acrítica é que mitos como o de "ter vivido acima das nossas possibilidades, "ter que pagar a dívida", ou o de que "gerir um País é como gerir uma casa" encontram razão de ser. A eutanásia da sociedade está em curso já desde há algum tempo.

O dia feriado deveria ser a 7 de Abril (de 2011), o dia em que a Troika aterrou na Portela. O regime de 25 de Abril (de 1974) já não existe desde o édito Aprilis Finitum e do momento em que a "República Portuguesa" passou de ser uma nação agiota a um protectorado do FMI. A agiotagem é essencialmente contra os valores de '74 uma vez que não respeita o indivíduo ou a Liberdade. A agiotagem pretende a escravidão do indivíduo através da escravidão de toda uma sociedade. O sequestro de uma geração e de décadas de vida do povo português, cujo sangue e suor irão alimentar a ganância voraz do sistema financeiro mundial, e onde Abril (de '74) é apenas uma gargalhada nos corredores de um arranha-céus nova-iorquino.

terça-feira, 23 de abril de 2013

A azia como modo de vida

O semblante feminino retrata os instantes finais de uma das três derrotas que o Sporting sofreu frente ao Rio Ave esta temporada, e espelha bem a angústia de duas equipas que não estarão na Liga dos Campeões na próxima época. Talvez tenha sido um dos jogos onde o guarda-redes Rui Patrício esteve na área adversária a tentar o golo do empate, perante as gargalhadas de quem aqui escreve, uma vez que a Schadenfreude é uma das formas onde o meu humor encontra o sentido.
Com isto pretendo demonstrar que as desculpas em forma de grande penalidade que a lagartagem foi pródiga em desencantar, no recente derby com o Benfica, são um tipo de conforto emocional que lhes permite enganarem-se a si próprios. Uma vez que a realidade é sempre mais difícil de encarar, especialmente se for angustiante.
O Sporting vinha embalado pela melhor série da época, três vitórias tangenciais. Uma delas frente a um treinador "adversário" que é ao mesmo tempo dirigente do Sporting, mas que é "profissional" e até vaticinou a vitória da equipa do Lumiar sobre o Benfica, antes da equipa que treina ter perdido em casa com o Porto.
O anti-benfiquismo surge quando os adeptos rivais deixam de ter argumentação e se dedicam simplesmente a ser contra o Benfica. O facto de serem contra o Benfica é a razão da sua existência. Nada mais interessa. Eles pouco se importam se o Sporting ou o Porto perdem, desde que não seja contra o Benfica. A falácia argumentativa que sustenta o anti-benfiquismo chama-se argumentum ad odium e como se percebe, não só é intelectualmente desonesta como é imatura e mesquinha.

Não gosto da manipulação nem que me atirem areia para os olhos. O Benfica jogou com uma equipa que está a quase quarenta pontos abaixo e que até entrou afoita, mas percebeu-se rapidamente que no instante em que o Benfica forçou o portão, aquilo rebentou e foi golo. O Sporting rebentou, juntamente com o Eric Dier e o Miguel Lopes, porque não tem ritmo suficiente para aguentar o momento em que o Benfica carrega no acelerador. Tal como a vitória moral que o Benfica teve no empate frente ao Barcelona, é fácil de perceber que se o Barcelona tivesse aumentado o ritmo teria ganho sem dificuldade esse jogo.
O lateral-direito do "Barcelona C", como foi apelidado pelos anti-benfiquistas, numa tentativa de menorizarem o jogo do Benfica, chama-se Martín Montoya e é melhor do que o Eric Dier, o Miguel Lopes e o titular-lesionado Cédric juntos. Trata-se de uma questão de escala e dos sportinguistas admitirem a mediocridade da sua própria equipa. O lateral-direito do Benfica, de seu nome Maximiliano, é somente semifinalista do Mundial e vencedor da Copa América, embora os sportinguistas não gostem dele porque defende muito em cima e não estende uma passerelle como os defesas do Sporting costumam fazer. Aqui já é mais uma questão de estilo.
Poderia ainda referir o segundo golo, mas não existem imagens deste, uma vez que a empresa do magnata Joaquim Oliveira mandou remover o vídeo do Youtube, não fosse o pintinho ficar com azia. Embora sempre se possa perguntar ao Rinaudo e ao André Martins, que ainda devem estar no estádio à procura do Gaitán.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

A natureza tem horror ao vácuo

Nunca deve ter existido nos últimos trinta anos um governo empenhado a este ponto na manipulação e na ofuscação. As condições da tecnologia mediática actual facilitam esse desígnio, mas o principal motivo desta conduta parece estar ligado ao facto de não existir uma forma racional do executivo defender as suas opções políticas.
O exemplo mais recente é o do "criativo" Miguel Gonçalves. Este foi ao programa televisivo Prós e Contras a 20 de Julho de 2011, um par de semanas após o governo ter ganho as eleições e um dia antes de tomar posse. Esta cronologia é importante para se perceber uma das mais insidiosas manipulações do governo. Relvas nunca poderia admitir que já sabia quem era Miguel Gonçalves para não evidenciar o embuste e arranjou uma desculpa acerca do facto de o ter visto em vídeos no youtube. Poderia ter sido no vimeo, mas era necessário criar empatia e o youtube é mais conhecido.

A mensagem de que um indivíduo pode ter sucesso em tudo e mais alguma coisa desde que seja ousado e imaginativo, esquecendo propositadamente que o sistema se encontra viciado e que abomina o mérito, nunca me cativou. A falácia argumentativa do cândido Miguel designa-se por evidência incompleta e o estilo de discurso baseia-se na hiperbolização. O seu objectivo fulcral sempre foi o de promover a peugada neo-liberal e degradar o factor trabalho. A agenda seguida não é inocente nem desinteressada, embora se tente camuflar como tal para evitar ser denunciada.
O vídeo do programa televisivo fez sucesso nas redes sociais, mas não me conseguiu converter. Talvez por eu próprio ter pouca tolerância à banha da cobra, à vacuidade e por a própria realidade do mercado de trabalho não deixar que seja enganado por esse tipo de intrujice, mesmo que se encontre disfarçada de oratória motivacional.

O chamado "Impulso Jovem" nunca foi um programa de estímulo económico. Sempre foi uma acção de propaganda. Por isso é que foi apresentada por Relvas, o ministro da Propaganda e não pelo histriónico ministro da Economia e do Emprego.
O próprio Miguel Gonçalves, na sua apresentação como "embaixador" do "Impulso Jovem" tentou evitar as perguntas sobre política para não se notar a evidência de que só existe enquanto fabricação. Exactamente uma semana depois de mais esta acção de propaganda, o ministro das Finanças corta-lhe os fundos. Deve ter feito uma análise custo-benefício e chegado à conclusão de que a contratação pro bono do "bate-punho" lançou o descrédito. Se existe algo fundamental em propaganda é a de que esta tem de ser credível, para conseguir enganar as pessoas. Gaspar não gosta de pipocas, uma vez que deve cortar no açúcar e no sal.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Humor Britânico

Margaret Thatcher (1925 - 2013)

A baronesa Thatcher havia já sido "morta" por vários artistas tais como Morrissey, vocalista dos The Smiths, ou por Elvis Costello. No entanto, a doutrina actual de desregulação dos mercados financeiros, de flexibilização laboral e de privatização das companhias estatais, mostram que o seu tipo de política está mais vivo do que nunca. Não adianta a bruxa ter morrido, como cantam alegremente as pessoas de bem, se existe uma cambada, que é uma porção de objetos pendurados por um fio, de malfeitores dispostos a seguir a sua política.

Prime Minister: Yes, it's all very simple. I want you to abolish economists.
Jim Hacker: (mouth open) Abolish economists, Prime Minister?
Prime Minister: Yes, abolish economists, and quickly.
Sir Humphrey: (silkily) All of them, Prime Minister?
Prime Minister: Yes, all of them. They never agree on anything. They just fill the heads of politicians with all sorts of curious notions, like the more you spend, the richer you get.
(...)

Yes Minister - The Thatcher Sketch (1984)

domingo, 7 de abril de 2013

Dois anos de FMI

O valor que os portugueses pagam para a receita do Estado, seja em impostos, taxas ou outras contribuições é superior ao que recebem do mesmo, seja em pensões e reformas, subsídios de desemprego ou doença, ou outro tipo de apoio social. Se incluirmos os juros da dívida soberana, os juros do empréstimo da troika, ou os juros da fraude do BPN no valor daquilo que o Estado tem de contribuir, então torna-se claro que não existe dinheiro para tudo.
O mentiroso compulsivo Pedro Passos Coelho prossegue o embuste de que o dinheiro se destina a defender o estado social porque um demagogo necessita sempre de ter uma argumentação de qualquer tipo, mesmo que semelhante argumentação seja falaciosa. Tal como anteriormente estimulou o ódio entre os trabalhadores do sector público e do sector privado, o chantagista tenta agora colocar os portugueses contra o Tribunal Constitucional, encontrando o bode expiatório que os propagandistas vinham cozinhando desde há algum tempo junto da opinião pública, que se encontra completamente envenenada com o trabalho do spin dos comentadores.
A estratégia é fraca, como se pode perceber, de tal modo é evidente. O segundo resgate vem a caminho e Passos Coelho nem sequer se exime de o anunciar, uma vez que já tem um álibi, como num romance policial de segunda categoria. A palavra de ordem deste governo é a doutrina da agiotagem, inspirada pela fúria predatória da alta finança. Os especuladores riem-se enquanto o povo sangra. Infelizmente vivemos num protectorado financeiro executado por traidores. Os invasores têm de morrer.

The Prodigy - Invaders Must Die

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Voltar à vida na Páscoa é demasiado trendy

O Ofídio esteve abandonado porque não houve disposição para escrever da minha parte. Quando tudo parece carregado de futilidade, tanto nas críticas políticas como nos estados de alma, o mais certo é acabar por se assemelhar a um "repaspassar" dos mesmos assuntos vezes sem conta. O que me impedia de progredir, fosse lá em que direcção fosse. Ao contrário da blogopropaganda, este é um diário de bordo e o diário de bordo não foi actualizado porque a nave encontrava-se em parte incerta.
Durante o estado vegetativo da minha hibernação blogosférica, ainda tentei fazer vários arranques  por pura convicção de consciência. No entanto, a minha já afamada tendência para a procrastinação tomava sempre a melhor. Não porque eu quisesse que esta ganhasse ao meu descargo de consciência, mas sim por não saber como estava a minha alma. Quando não há vibração anímica, o espírito não flui. Não se podem travar batalhas quando o kata é imperfeito.

As estações passaram como vento e a rede Zuckerberg foi suficiente para os textos que no entretanto produzi sobre a espuma dos dias. Quando se começa a blogar, parece que tudo o que escrevemos é um tratado filosófico. Passado algum tempo, a publicação de posts passa a ser um vício. Todos querem escrever o post perfeito e pertencer à fina-flor da blogosfera, que por motivos óbvios é inatingível apenas pelo mérito. Por fim, reduz-se o círculo à meia-dúzia de conhecidos e fica-se grato pelos IP's que se enganaram na busca e vieram aqui parar ao acaso.
Ao fim de seis meses sem uma linha de facto, tempo suficiente para compreender a ansiedade da minha existência, eis que o blogue se renova, tal como a Primavera que nunca mais chega. Um meio-aniversário onde poderia ter escrito sobre as vindimas, o Sandy, a arte da katana, a época natalícia, o falecimento do Nagisa Oshima, a guerra psicológica no Mali ou os meteoritos na Rússia. Ainda vamos a tempo.

Imagem: "Animal Regulation Series" por Liu Di