Delicatessen é uma comédia negra francesa dos anos noventa acerca de um talhante que atrai pessoas para a sua loja através de ofertas de trabalho, para então aí as matar e vender a carne aos seus clientes. Vem isto a propósito da mediatização de Adriana Xavier, a rapariga que abraçou um polícia durante a manifestação de 15 de Setembro e que teve esse momento fotografado, publicado, partilhado e comentado até à exaustão, tornando-se o ícone desse dia.
Com a voragem a que os media nos habituaram, Adriana apareceu em televisões e jornais, culminando a sua ascensão mediática, por enquanto, nas fotos de glamour que tirou para a revista VIP, ou como dizia um amigo meu: "ela manifestou-se e conseguiu uma oportunidade de trabalho" naquilo que era um dos objectivos iniciais do protesto, para lá das reivindicações justas de querer lixar a Troika e do regresso das vidas aos seus legítimos proprietários.
Isto não é uma sociedade. Isto é o consumo de corpos de uma forma dir-se-ia quase vampiresca. Quem pensou que isto era um texto sobre política deve-se ter enganado, uma vez que de facto isto é um texto sobre culinária.
A Direita dos blogues viu no gesto da rapariga uma premeditação oportunista, uma vez que estão habituados à agiotagem dos mercados de capitais e aos esquemas de pirâmide, onde cada um tenta intrujar o próximo e o trust negocial e as "acções" desinteressadas simplesmente não existem. A Direita que defende a barricada da situação, por razões mesquinhas que não interessa estar aqui a elaborar, tem todo o interesse em amesquinhar este fenómeno mediático.
A Esquerda por seu lado, comoveu-se com a beleza do gesto, como prova inequívoca da esperança que nunca perdeu na humanidade, de como a oposição pode ser feita com elegância e de como a revolução pode ser feita com flores, um fetiche que nunca a abandonou e que se encontra fortemente inspirado no imaginário das manifestações anti-Vietname dos anos sessenta.
No meio disto tudo está Adriana, a mulher, a desempregada. A realidade nem sempre soa tão tão bem como nós gostaríamos, mesmo que seja tão bonita como o coração humano. Aliás, para um talhante, um coração é algo que está somente à distância de um cutelo.
Imagem: José Manuel Ribeiro/REUTERS
Descobri este blog por acaso, estou a gostar do estilo de escrita e das temáticas.
ResponderEliminarSem tempo de momento, voltarei para ler o resto.