quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Flor da Elegância

Todos sabem que o mês de Agosto é complicado. Os corpos pedem desejo uns pelos outros e os olhares derretem qualquer hipótese daquela compostura que o cérebro analítico demorou anos a construir em milénios de evolução.
Que o facto de sentir um certo tipo de emergência visceral seja sintomático da época, tal como os cafés acabarem por ser os espaços sociais mais apetecíveis nas cidadelas periféricas.
Estava assim de pé, encostado de costas para o balcão. Naquela pose tão característica dos humanos. Que não se importam de permanecer nesta posição enquanto analisam as jogadas de entrosamento futebolístico de um qualquer troféu de pré-temporada. Ao mesmo tempo que, descontraidamente, bebem dois decilitros de cerveja de cada vez.

Ela passa de uma forma altiva, dir-se-ia mesmo, quase arrogante e senta-se cruzando as pernas. Sem passar para fora nada do que a estóica compostura não queira. Mas ao mesmo tempo, esta empertigada rapariga lança um olhar e nesse olhar está a chave de todo um desejo feminino interior. De ser rasgada, de pagar por toda aquela altivez, que a coloca num estado de aparente inacessibilidade ao comum dos homens, transformados pelo próprio desejo em animais, que a querem possuir, de forma dir-se-ia mesmo, quase violenta, para depois ela, assim ofegante, olhar para o próprio cruzar de pernas. Mas desta vez, cheia.
A sua pose é esbelta, sendo que ela é praticamente da minha altura. Tem uma agradável tez morena, agora mais bronzeada do que o habitual e uns belos e ondulados cabelos negros, amarrados estoicamente e coroados de lado por um fascinator em forma de flor... e essa flor é uma dália negra.

O nome dela significa esperança. No cruzar de pernas quando se senta na cadeira. Ela está sentada mesmo na minha frente, quase colada ao televisor, onde inexoravelmente continua a decorrer o mesmo jogo que eu analisava anteriormente de forma tão logarítmica.
De vez em quando vira-se para trás, como quem ouve alguém conhecido no fundo do café e olha pelo canto do olho. O seu ego feminino está em ebulição e então levanta-se e desloca-se para onde estou, para pedir os mesmos dois decilitros que eu bebo vagarosamente, e aproveitar para comunicar com o corpo.
Nesta fase, a sua capacidade de atrair o vulgar macho jovem reveste-se de primordial importância. Tudo na sua postura concorre para esse desígnio. Desde a dália negra no seu cabelo ao vestido cai-cai, que revela somente o começo de um peito firme e o final das pernas esguias.

Ela levanta-se agora em direcção à casa-de-banho, mas fica no cubículo de acesso. Em frente a um lavatório e a um espelho. Passando as mãos pelo cabelo, como se estivesse a compor-se. Ela está à minha esquerda, a um par de metros de mim. Perto o suficiente para vê-la a olhar pelo espelho, ao mesmo tempo que na sua cabeça, se forma o mantra "olha para mim... olha para mim..." à espera da confirmação última da sua capacidade feminina de provocar desejo e a sua maior aspiração momentânea enquanto fêmea e mulher.
Ao fim do que pareceu quase uma eternidade, resolvi mesmo olhar para ela. Porque é isso mesmo que se espera do ethos masculino. O que de imediato, lhe fez esboçar um sorriso.
Depois de ter esta pequena vitória, a rapariga da dália negra, cujo nome significa esperança, abandona o espelho e volta-se a sentar no seu lugar.

2 comentários: