Nos idos de noventa, quando António Guterres ganhou as eleições a Fernando Nogueira - após Cavaco Silva ter fugido das eleições e do julgamento popular - os jornalistas que filmavam a noite da vitória eleitoral fixaram-se na imagem de Guterres a dar a mão à esposa. Como se fosse um sinal de esperança ao povo ingénuo e que gosta de acreditar nestas novelas, que daí para a frente tudo seria diferente. Diferente da insensibilidade social Cavaquista e das cargas policiais de Dias Loureiro.
Embora as razões desta emoção - o prazer - sejam difíceis de apontar, só tive o prazer de poder afastar Cavaco numa eleição. Quando este concorreu às presidenciais com Sampaio no ano seguinte e ainda estava fresco na cabeça do eleitorado o mal que a direita faz às políticas sociais, e o desrespeito que esta tem por aqueles que estão na base da pirâmide social, devido à sua doutrina ideológica.
Quem vota nesta doutrina faz parte dos poucos que vai lucrar com ela, ou então é enganado por promessas sibilinas de que essa gente realmente se preocupa.
Posto isto, devo concluir que foi realmente uma cacetada aquilo a que se assistiu ontem, e que nada melhor se avizinha nos tempos mais próximos.
Ao contrário de Cavaco, Sócrates não fugiu. Dispôs-se assim à bela tareia que os portugueses lhe quiseram dar. Como bode expiatório estava bem identificado e estes puderam exorcizar as suas próprias frustrações.
Era preciso afastar Sócrates, o demónio. Sócrates, o maldito. Estas foram as eleições do "vamos correr com o Sócrates". A máquina de propaganda laranja - a tal que não existe - explorou muito bem este ponto único de discussão eleitoral, que a máquina de propaganda socialista - esse bulldozer infalível - não conseguiu contrariar.
A pressa dos pseudo-jornalistas em lamberem as botas dos recém eleitos em sabuja vassalagem, só contrastou com a falta de vergonha destes em apoiarem Passos. Uma vez que não existe motivo para se ter qualquer tipo de vergonha de se apoiar Passos. Vergonha haveria se apoiassem Sócrates, o demónio. Penso que já todos sabem que o código deontológico dos jornalistas é uma ficção bem escrita; e contudo, pessoas houve que ficaram perplexas com a reacção desta classe, com a sua felicidade, com as garrafas de champanhe, e que ainda acreditavam no mito tão conveniente da imparcialidade jornalística. Esses arautos da comunicação mostraram bem o que são.
Apesar do ódio a Sócrates, a estratégia deste em culpar os outros pela intervenção externa não colheu. A estratégia do Bloco também não resultou, e já se vinha a adivinhar que iria dar nisto. Cada um tem o que merece.
Apesar do CDS-PP ir para o governo, ficou demonstrado que existe um limite para o número de pessoas que Paulo Portas consegue enganar.
Embora o aumento da abstenção e dos votos em branco tenham como contrapartida que o número de pessoas necessária para eleger o mesmo número de deputados seja mais reduzida, o CDS-PP acabou por ser sodomizado pela Lei de Hondt. A mesma que acabou por beneficiar a CDU.
Apesar de dizerem que tiveram uma votação superior ao conjunto da CDU e do Bloco, basta fazer algumas contas para perceber que CDS-PP: 652.194 votos, é menor que CDU: 440.850 votos + Bloco: 288.076 votos = 728.926 votos. Verificado aqui. O número de deputados é igual. Mas não há problema, porque mentiroso era o Sócrates.
Termino com uma adenda em relação aqueles que defendem o voto obrigatório, devido à elevada abstenção e do recorde de votos em branco.
Antes de mais, o voto é um dever, para além de ser um direito. A obrigação do voto condiciona a liberdade de escolha, que é uma condição essencial do acto de votar.
Claro que a democracia é um sistema complicado, em que é necessário ter consciência cívica e uma certa inteligência para o entender. Mas isso não implica que se deva obrigar a massa acéfala a votar, até porque o direito de não votar é tão importante como o próprio direito de votar.
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