O acordo de concertação social serviu para o governo poder implementar a sua agenda dogmática, sem a necessidade de extirpar o socialismo da constituição, e conseguindo fazer da precariedade a base do sistema laboral português. Podem argumentar que esta ainda não representa a maioria do trabalho em Portugal, mas estas coisas demoram tempo. O que faz uma certa impressão é o tom de regozijo com que responsáveis governamentais e comentadores a soldo do governo defendem o acordo.
Com o novo documento que gere as relações laborais, os trabalhadores a recibos verdes passam a dispor do direito a subsídio de desemprego. Trata-se do assumir da precariedade como um estado inevitável. Os trabalhadores a recibos verdes eram vistos como uma maioria de profissionais liberais no país das maravilhas do poder político. Como agora o poder político não pode mais ignorar a realidade de que os trabalhadores a recibos verdes são escravos por contra de outrem, que só beneficiam os custos de mão-de-obra das empresas que os contratam, disponibilizou-se essa medida de elementar justiça. Deste modo, um trabalhador a recibos verdes não irá descartar uma oferta de escravidão, uma vez que este até terá direito a subsídio para caso e quando... quando ficar desempregado.
Claro que o acordo é vergonhoso para os sindicatos, e numa tentativa de sacudir a pressão do capote, João Proença da UGT acusou alguns altos dirigentes da CGTP, que já tinham abandonado as negociações, de o terem aconselhado a assinar o acordo com os restantes parceiros. Mesmo que tal fosse verdade, só o facto de estar a revelar conversas privadas mostra bem a falta de decoro e de educação de João Proença. Em seguida, faz uma referência vaga aos dirigentes que ele acusa de terem tido esse comportamento, sem os nomear. Algo que, no caso, seria de elementar bom senso, caso ele quisesse esclarecer o assunto trazido à baila por ele próprio. Não o fazendo, percebe-se obviamente que existe manipulação e argumentação falaciosa, mesmo que essas conversas até tenham existido. Ninguém pode provar o contrário.
Por último, as declarações não fazem nenhum sentido. A CGTP não costuma assinar nenhum acordo de concertação social, e obviamente que nunca iria assinar o acordo mais nefasto de sempre para a mão-de-obra e o factor trabalho, enquanto que a UGT foi criada propositadamente para assinar este tipo de acordos, ainda para mais, conhecendo-se a posição de subserviência de A. Jota Seguro em relação ao governo, sendo por isso fácil de perceber a atitude de João Proença.
Com a desculpa da troika, o governo martelou a meia-hora diária adicional, dando até o exemplo em conselhos de ministros, que duravam mais meia-hora do que o necessário, para que a demagogia populista ficasse mais vincada na opinião pública. As críticas à meia-hora resumiam-se a um embaratecimento do trabalho, que se traduziria em cortes de salários, uma vez que o trabalhador iria ser obrigado a trabalhar mais pelo mesmo salário. Como os membros do governo e patronato não são principiantes em matéria económica, estes sabiam muito bem que o aumento de meia-hora no horário de trabalho não iria aumentar a produtividade, quanto muito iria aumentar a produção, e mesmo isso era discutível. A produtividade só aumentaria se a produção horária ou por unidade de trabalho aumentasse. Muitos portugueses nem sequer sabem a definição de produtividade, por isso a manipulação mediática pode ser implementada sem receio. O feudo do poder em relação a quem pudesse desmontar e explicar a mentira fez o resto.
Ao fim de alguns meses de manipulação mediática, percebeu-se que a proposta da meia-hora servia para estipular o acordo, dando à UGT algo com que pudesse brandir na cara da opinião pública como se fosse uma conquista negocial.
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