Por esta altura, já todos deveríamos saber que a medida de expulsão dos ciganos em França é populista e que Sarkozy está simplesmente a fazer o que a massa eleitoral que votou nele espera que ele faça. Os pensadores que gostam de pensar de si próprios que são progressistas e que torcem o nariz (porque torcer outro tipo de apêndices anatómicos é substancialmente mais doloroso) a esta medida nada cosmopolita, são apanhados numa armadilha intelectual, ao considerar o político acima mencionado, como um trauliteiro bárbaro e tirânico, que comanda um estado policial.
Ainda por cima, valha-nos o iluminado Nosso Senhor Voltaire, numa nação conhecida pela sua cultura, mas cuja contribuição cultural para o mundo, hoje em dia, é anedótica.
Apesar disso, os pensadores metropolitanos elogiam a cultura francesa, cujo conhecimento usam abundantemente como expoente máximo de snobismo e de superioridade intelectual sobre os pobres desgraçados suburbanos, que nunca viram um filme do Jacques Tati, leram Sartre ou ouviram um disco de Georges Brassens.
De resto, a comunidade blogosférica tem trazido à colação o manouche lendário do guitarrista Django Reinhardt (por razões óbvias) embora sem dar o mesmo destaque ao triveleiro artista (de qualidade substancialmente inferior) Ricardo Quaresma, que agora labora na Turquia (com o mesmo número de ciganos do que a Roménia, embora mais diluídos na população). País que felizmente não pertence à União Europeia.
"Os países mais centrais da Europa", dos quais os ciganos foram sendo "empurrados", não devem ser a França (cerca de 500 mil ciganos) nem a Hungria (mais de 200 mil) ou mesmo a Itália (130 mil) ou a Alemanha (70 mil). Um erro demográfico e demagógico, perfeitamente compreensível no calor do combate aos pensadores romanófilos.
Para essa fauna, os ciganos são todos como Joaquím Cortés ou Bajram Severdžam e vivemos todos num mundo onde defender os oprimidos e os coitadinhos faz parte do nosso próprio código genético porque fica bem. Finalizo esta reflexão com a óbvia descrição de uma experiência pessoal.
Quando era gaiato, eu e um grupo de gaiatos da minha idade jogávamos à bola com os filhos gaiatos de uma família cigana, que se veio a "instalar" num edifício onde anteriormente funcionava uma comissão de moradores. Daquelas que funcionavam no pós-25 de Abril e que posteriormente se dissolveram.
Apesar de se terem tentado integrar, os ciganos sempre foram vistos com desconfiança pelos restantes vizinhos, que torciam o nariz (porque torcer outro tipo de apêndices anatómicos é substancialmente mais doloroso) à sua presença no bairro.
Talvez isso se devesse ao facto de estes viverem na sua própria sociedade, em vez de viverem à margem da nossa, como acontece com os toxicodependentes ou os criminosos, e de se auto-ostracizarem devido a isso.
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